sábado, 13 de março de 2010

POESIAS DE CECÍLIA MEIRELES

Ou Isto Ou Aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.


Cecília Meireles
Colar de Carolina
.

Com seu colar de coral,
Carolina
corre por entre as colunas
da colina.


O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.


E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral


nas colunas da colina.

Cecília Meireles
O Cavalinho Branco
.

À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:


mas há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado.


O cavalo sacode a crina
loura e comprida


e nas verdes ervas atira
sua branca vida.


Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos


a alegria de sentir livres
seus movimentos.


Trabalhou todo o dia, tanto!
desde a madrugada!


Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada!

Cecília Meireles
O Mosquito Escreve
.

O mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.


O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U, e faz um I.


Este mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí,
se arredonda e faz outro O,
mais bonito.


Oh!
Já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever seu nome.


Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?


E ele está com muita fome.

Cecília Meireles
.
Sonhos da menina
.

A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?


Sonho
risonho:


O vento sozinho
no seu carrinho.


De que tamanho
seria o rebanho?


A vizinha
apanha
a sombrinha
de teia de aranha . . .


Na lua há um ninho
de passarinho.


A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha?

Cecíla Meireles
Menino Azul
.

O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.


O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.


O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.


E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.


(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

Cecília Meireles
.
A Pombinha da Mata
.

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.


"Eu acho que ela está com fome",
disse o primeiro,
"e não tem nada para comer."


Três meninos na mata ouviram
uma pombinha carpir.


"Eu acho que ela ficou presa",
disse o segundo,
"e não sabe como fugir."


Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.


"Eu acho que ela está com saudade",
disse o terceiro,
"e com certeza vai morrer."

Cecília Meireles
.
Passarinho no Sapé
.

P tem papo
o P tem pé.
É o P que pia?



(Piu!)



Quem é?
O P não pia:
O P não é.
O P só tem papo
e pé.



Será o sapo?
O sapo não é.



(Piu!)



É o passarinho
que fez seu ninho
no sapé.



Pio com papo.
Pio com pé.
Piu-piu-piu:
Passarinho.



Passarinho
no sapé.


Cecília Meireles
.

Rio na Sombra
.

Som
frio.

Rio
sombrio.

O longo som
do rio
frio.

O frio
bom
do longo rio.

Tão longe,
tão bom,
tão frio
o claro som
do rio
sombrio!


Cecília Meireles
.
Tanta Tinta
.

Ah! menina tonta,
toda suja de tinta
mal o sol desponta!

(Sentou-se na ponte,
muito desatenta...
E agora se espanta:
Quem é que a ponte pinta
com tanta tinta?...)

A ponte aponta
e se desaponta.
A tontinha tenta
limpar a tinta,
ponto por ponto
e pinta por pinta...

Ah! A menina tonta!
Não viu a tinta da ponte!


Cecília Meireles
.
As Meninas
.

Arabela
abria a janela.

Carolina
erguia a cortina.

E Maria
olhava e sorria:
"Bom dia!"

Arabela
foi sempre a mais bela.

Carolina,
a mais sábia menina.

E Maria
apenas sorria:
"Bom dia!"

Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela;

uma que se chamava Arabela,

uma que se chamou Carolina.

Mas a profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,

que dizia com voz de amizade:
"Bom dia!"


Cecília Meireles
.
A Bailarina
Cecília Meireles
.

Esta Menina
Tão pequenina
Quer ser bailarina


Não conhece nem dó nem ré,
Mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá,
Mas inclina o corpa para lá e para cá.


Não conhece nem lá nem si,
Mas fecha os olhos e sorri.


Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
E não fica tonta nem sai do lugar.


Põe no cabelo uma estrela e um véu
E diz que caiu do céu.


Esta Menina
Tão pequenina
Quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danças,
E também quer dormir como as outras crianças.


Cecília Meireles
.
O Eco
.

O menino pergunta ao eco
Onde é que ele se esconde.
Mas o eco só responde: Onde? Onde?

O menino também lhe pede:
Eco, vem passear comigo!

Mas não sabe se o eco é amigo
ou inimigo.

Pois só lhe ouve dizer:Migo!


Cecília Meireles
.

A Avó do Menino
.
A avó
vive só.
Na casa da avó
o galo liró
faz "cocorocó!"
A avó bate pão-de-ló
E anda um vento-t-o-tó
Na cortina de filó.
A avó
vive só.
Mas se o neto meninó
Mas se o neto Ricardó
Mas se o neto travessó
Vai à casa da avó,
Os dois jogam dominó.


Cecília Meireles
.

Jogo de bola
A bela bola
rola:
a bela bola do Raul.

Bola amarela,
a da Arabela.

A do Raul,
azul.

Rola a amarela
e pula a azul.

A bola é mole,
é mole e rola.

A bola é bela,
é bela e pula.

É bela, rola e pula,
é mole, amarela e azul.

A de Raul é de Arabela,
e a de Ararabela é de Raul

Cecília Meireles

Bolhas
Olha a bolha d'água
no galho!
Olha o orvalho!

Olha a bolha de vinho
na rolha!
Olha a bolha!

Olha a bolha na mão
que trabalha!

Olha a bolha de sabão
na ponta da palha:
brilha, espelha
e se espalha.
Olha a bolha!

Olha a bolha
que molha
a mão do menino:

a bolha da chuva da calha!

Cecília Meireles

Roda na Rua
Roda na rua
a vida do carro.
Roda na rua a roda das danças.
A roda na rua
rodava no barro.
Na roda da rua
rodavam crianças.
O carro, na rua.

O último andar
No último andar é mais bonito:
do último andar se vê o mar.
É lá que eu quero morar.


O último andar é muito longe:
custa-se muito a chegar.
Mas é lá que eu quero morar.


Todo o céu fica a noite inteira
sobre o último andar
É lá que eu quero morar.


Quando faz lua no terraço
fica todo o luar.
É lá que eu quero morar.


Os passarinhos lá se escondem
para ninguém os maltratar:
no último andar.


De lá se avista o mundo inteiro:
tudo parece perto, no ar.
É lá que eu quero morar:
no último andar.


Cecília Meireles

Enchente
.
Chama o Alexandre!
Chama!
Olha a chuva que chega!
É a enchente.
Olha o chão que foge com a chuva...
Olha a chuva que encharca a gente.
Põe a chave na fechadura.
Fecha a porta por causa da chuva,
olha a rua como se enche!
Enquanto chove, bota a chaleira
no fogo: olha a chama! olha a chispa!
Olha a chuva nos feixes de lenha!
Vamos tomar chá, pois a chuva
é tanta que nem de galocha
se pode andar na rua cheia!
Chama o Alexandre!
Chama!

Cecília Meireles
.
O vestido de Laura
.
O vestido de Laura
é de três babados,
todos bordados.

O primeiro, todinho,
todinho de flores
de muitas cores.

No segundo, apenas
borboletas voando,
num fino bando.

O terceiro, estrelas,
estrelas de renda
- talvez de lenda...

O vestido de Laura
vamos ver agora,
sem mais demora!

Que as estrelas passam,
borbaletas, flores
perdem suas cores.

Se não formos depressa,
acabou-se o vestido
todo bordado e florido!

Cecília Meireles
.
Para ir à Lua
.
Enquanto não tem foguetes
para ir à Lua,
os meninos deslizam de patinete
pelas calçadas da rua.

Vão cegos de velocidade:
mesmo que quebrem o nariz,
que grande felicidade!
Ser veloz é ser feliz.

Ah! se pudessem ser anjos
de longas asas!
Mas são apenas marmanjos.

Cecília Meireles
.
O Lagarto Medroso
.


O lagarto parece uma folha
verde e amarela.
E reside entre as folhas, o tanque
e a escada de pedra.
De repente sai da folhagem,
depressa, depressa,
olha o sol, mira as nuvens e corre
por cima da pedra.
Bebe o sol, bebe o dia parado,
sua forma tão quieta,
não se sabe se é bicho, se é folha
caída na pedra.
Quando alguém se aproxima,

— oh! que sombra é aquela? —
o lagarto logo se esconde
entre as folhas e a pedra.

Mas no abrigo, levanta a cabeça
assustada e esperta:
que gigantes são esses que passam
pela escada de pedra?
Assim vive, cheio de medo,
intimidado e alerta,
o lagarto (de que todos gostam)
entre as folhas, o tanque e a pedra.

Cuidadoso e curioso,
o lagarto observa.
E não vê que os gigantes sorriem
para ele, da pedra.
Assim vive, cheio de medo,
inimidado e alerta,
o lagarto (de que todos gostam)
entre as folhas, o tanque e a pedra.


Cecília Meireles
.
O santo no monte
.


No monte,
o Santo
em seu manto,
sorria tanto!

Sorria para uma fonte
que havia no alto do monte
e também porque defronte
se via o sol no horizonte.

No monte
o Santo
em seu manto
chora tanto!

Chora - pois não há mais fonte,
e agora há um muro defronte
que já não deixa do monte
ver o sol nem o horizonte.

No monte
o Santo
em seu manto
chora tanto!

(Duro
muro
escuro!)


Cecília Meireles
.

Na chácara do Chico Bolacha
.


Na chácara do Chico Bolacha
o que se procura
nun se acha!

Quando chove muito,
O Chico brinca de barco,
porque a chácra vira charco.

Quando não chove nada,
Chico trabalha com a enxada
e logo se machuca
e fica de mão inchada.

Por isso, com o Chico Bolacha,
o que se procura
nunca se acha.

Dizem que a chácara do Chico
só tem mesmo chuchu
e um cachorrinho coxo
que se chama Caxambu.

Outras coisas, ninguém procura,
porque não acha.
Coitado do Chico Bolacha!



Cecília Meireles
.
Canção
.


De borco
no barco.
(De bruços
no berço...)

O braço é o barco.
O barco é o berço.

Abarco e abraço
o berço
e o barco.

Com desembaraço
embarco
e desembarco.

De borco
no berço...
(De bruços
no barco...)


Cecília Meireles
.
FIGURINHAS I
.


No claro jardim
a menina chora
pela borboleta
que se foi embora.

Ora, ora, ora,
Não chore tanto!
Nossa Senhora!

A menina chora
no claro jardim
um choro sem fim.

Nem o céu azul
é bonito, agora,
pois a borboleta
já se foi embora.

Não chore tanto!
Nossa Senhora!

Que choro sem fim
a menina chora
no claro jardim.

Ora, ora, ora!


Cecília Meireles

FIGURINHAS II
.



Onde está meu quintal
amarelo e encarnado,
com meninos brincando
de chicote-queimado,
com cigarras nos troncos
e formigas no chão,
e muitas conchas brancas
dentro da minha mão?

E Júlia e Maria
e Amélia onde estão?

Onde está meu anel
e o banquinho quadrado
e o sabiá na mangueira
e o gato no telhado?

— a moringa de barro,
e o cheiro do alvo pão?
E a tua voz, Pedrina,
sobre meu coração?
Em que altos balanços
se balançarão?...



Cecília Meireles
.
Rola a chuva
.


O frio arrepia
a moça arredia.

Arre
que arrelia!

Na rua rola a roda...
Arreda!
A rola arrulha na torre.

A chuva sussurra.

Rola a chuva
rega a terra
rega o rio
rega a rua.

E na rua roda rola.


Cecília Meireles
.

O Sonho e a Fronha
.



Sonho risonho
na fronha de linho.
Na fronha de linho,
a flor sem espinho.

Apanho a lenha
para o vizinho.

E encontro o ninho
de passarinho.

De que tamanho
seria o rebanho?

Não há quem venha
pela montanha
com a minha sombrinha
de teia de aranha?

sonho o meu sonho.
A flor sem espinho
também sonha
na fronha.

Na fronha de linho.


Cecília Meireles
.
A Folha na Festa
.



Esta flor
não é da floresta.

Esta flor é da festa,
esta é a flor da giesta.

É a festa da flor
e a flor está na festa.

(E esta folha?
Que folha é esta?)

Esta folha não é da floresta.

Esta folha não é da giesta.

Não é folha de flor.
Mas está na festa.

Na festa da flor
na flor da giesta.


Cecília Meireles
.
A Flor Amarela
.



Olha
a janela
da bela
Arabela.

Que flor
é aquela
que Arabela
molha?

É uma flor amarela.



Cecília Meireles
.




Na sacada da casa
.



Na
sacada
a saca
da caçada.
Na sacada da casa.
E a sacada
na calçada.

Quem se casa
de casaca?

Na sacada da casa
a saca.
Na saca, a asa.
Asa e alça.
A saca da caça.

Quem se alça
da sacada
para a calçada?
A menina descalça.
A menina calada.

E na calçada da casa,
a casada.


Cecília Meireles
.
O violão e o vilão
.


Havia a viola da vila.
A viola e o violão.

Do vilão era a viola.
E da Olívia o violão.

O violão da Olívia dava
vida à vila, à vila dela.

O violão duvidava
da vida, da viola e dela.

Não vive Olívia na vila.
Na vila nem na viola.
O vilão levou-lhe a vida,
levando o violão dela.

No vale, a vila de Olívia
vela a vida
no seu violão vivida
e por um vilão levada.

Vida de Olívia - levada
por um vilão violento.
Violeta violada
pela viola do vento.



Cecília Meireles
.
A égua e a água
.

A égua olhava a lagoa
com vontade de beber a água.

A lagoa era tão larga
que a égua olhava e passava.

Bastava-lhe uma poça d'água,
ah! mas só daqui a algumas léguas.

E a égua a sede agüentava.

A égua andava agora às cegas
de olhos vagos nas terras vagas,
buscando água.

Grande mágoa!

Pois o orvalho é uma gota exígua
e as lagoas são muito largas.


Cecília Meireles
.

A Língua do Nhem
.


Havia uma velhinha
que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.


E estava sempre em casa
a boa da velhinha,
resmungando sozinha:

nhem-nhem-nhem-nhem- nhem- nhem...

O gato que dormia
no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também

a miar nessa língua
e se ela resmungava,
o gatinho a acompanha:

nhem-nhem-nhem-nhem- nhem- nhem...

Depois veio o cachorro
da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha,
de cá, de lá, de além,

e todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia

nhem-nhem-nhem-nhem- nhem- nhem...


De modo que a velhinha
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,


ficou toda contente,
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:

nhem-nhem-nhem-nhem- nhem- nhem...


Cecília Meireles
.
Canção da Flor da Pimenta
.

A flor da pimenta é uma pequena estrela,
fina e branca,
a flor da pimenta.

Frutinhas de fogo vêm depois da festa
das estrelas.
Frutinhas de fogo.

Uns coraçõezinhos roxos, áureos, rubros,
muito ardentes.
Uns coraçõezinhos.

E as pequenas flores tão sem firmamento
jazem longe.
As pequenas flores...

Mudaram-se em farpas, sementes de fogo
tão pungentes!
Mudaram-se em farpas.

Novas se abrirão,
leves,
brancas,
puras,
deste fogo
muitas estrelinhas...


Cecília Meireles
.
Uma Palmada Bem Dada
.

É a menina manhosa
que não gosta da rosa,

que não quer a borboleta
porque é amarela e preta,

que não quer maçã nem pêra
porque tem gosto de cera,

que não toma leite
porque lhe parece azeite,

que mingau não toma
porque é mesmo goma,

que não almoça nem janta
porque cansa a garganta,

que tem medo de gato
e também de rato,

e também do cão
e também do ladrão,

que não calça meia
porque dentro tem areia,

que não toma banho frio
porque sente arrepio

que não quer banho quente
porque calor sente,

que a unha não corta
porque sempre fica torta,

que não escova os dentes
porque ficam dormentes,

que não quer dormir cedo
porque sente imenso medo;

que também tarde não dorme
porque sente um medo enorme,

que não quer festa nem beijo,
nem doce nem queijo...

Ó menina levada,
quer uma palmada?

Uma palmada bem dada
para quem não quer nada!


Cecília Meireles
.

NA SACADA DA CASA
.


Na
sacada
a saca
da caçada.
Na sacada da casa.
E a sacada
na calçada.

Quem se casa
de casaca?

Na sacada da casa
a saca.
Na saca, a asa.
Asa e alça.
A saca da caça.

Quem se alça
da sacada
para a calçada?
A menina descalça.
A menina calada.

E na calçada da casa,
a casada.


Cecília Meireles
.
O chão e o pão
.

O chão.
O grão.
O grão no chão.


O pão.
O pão e a mão.
A mão no pão.

O pão na mão.
O pão no chão?
Não.


Cecília Meireles
Jardim da igreja
.

Dalila e Lélia,
e Júlia e Eulália
cortavam dálias.

Dalila e Lélia,
Eulália e Júlia
cantavam dúlias.

Dálias e dúlias
e harpas eólias...

E a alada lua
— alta camélia?
— célia magnólia?


Cecília Meireles
.

Os pescadores e suas filhas
.

Os pescadores dormiam
cansados, ao sol, nos barcos.

As filhinhas dos pescadores
brincavam na praça, de mãos dadas.

As filhinhas dos pescadores
cantavam cantigas de sol e de água.

Os pescadores sonhavam
com seus barcos carregados.

Os pescadores dormiam
cansados de seu trabalho.

As filhinhas dos pescadores
falavam de beijos e abraços.

Em sonho, os pescadores sorriam.
As meninas cantaval tão alto,

que até no sonho dos pescadores
boiavam as suas palavras.


Cecília Meireles
.
A LUA É DO RAUL
.

Raio de lua.
Luar.
Luar do ar
azul.

Roda da lua.
Aro da roda
na tua
rua,
Raul!

Roda o luar
na rua
toda
azul.

Roda o aro da lua.

Raul.
a lua é tua,
a lua de tua rua!

A lua do aro azul!



Cecília Meireles
.
Moda da menina trombuda
'
É a moda
da menina muda
da menina trombuda
que muda de modos
e dá medo.

( A menina mimada!)

É a moda
da menina muda
que muda
de modos
e já não é trombuda.

( A menina amada!)

Cecília Meireles

Lua depois da chuva
'

Olha a chuva:
molha a luva.

Cada gota de água
como um bago de uva.

A chuva lava a rua.
A viúva leva
o guarda-chuva
e a luva.

Olha a chuva:
molha a luva
e o guarda-chuva
da viúva.

Vai a chuva
e chega a lua:
lua de chuva.

Cecília Meireles

O menino dos ff e rr
'

O menino dos ff e rr
é o Orfeu Orofilo Ferreira:
Ai com tantos rr, não erres!

Cecília Meireles

As duas velhinhas
'

Duas velhinhas muito bonitas,
Mariana e Marina,
estão sentadas na varanda:
Marina e Mariana.

Elas usam batas de fitas,
Mariana e Marina,
e penteados de tranças:
Marina e Mariana.

Tomam chocolate as velhinhas
Mariana e Marina,
em xícaras de porcelana:
Marina e Mariana.

Uma diz: “ Como a tarde é linda,
não é, Marina?”

A outra diz: “Como as ondas dançam,
não é Mariana?”

“Ontem eu era pequenina”,
Diz Marina.
“Ontem, nós éramos crianças”,
Diz Mariana.

E levam á boca as xicrinhas
Mariana e Marina,
as xicrinhas de porcelana:
Marina e Mariana.

Tomam chocolate as velhinhas,
Mariana e Marina.
E falam de suas lembranças,
Mariana e Mariana.

Cecília Meireles

Leilão de Jardim
.


Quem me compra um jardim com flores?


borboletas de muitas cores,


lavadeiras e passarinhos,


ovos verdes e azuis nos ninhos?


Quem me compra este caracol?


Quem me compra um raio de sol?


Um lagarto entre o muro e a hera,


uma estátua da Primavera?


Quem me compra este formigueiro?


E este sapo, que é jardineiro?


E a cigarra e a sua canção?


E o grilinho dentro do chão?


(Este é meu leilão!)



Cecília Meireles

.
CANÇÃO DA INDIAZINHA
.


NA, na,

mas porque chora essa menina?

Pela flor do maracujá.



Mas, se eu lhe der uma conchinha,

a menina se calará?

Aána, aáni na na.



Na, na,

se eu lhe der a asa da andorinha,

a cantiga do sabiá?

Aáni, aáni, na na



Na, na,

nada disse: que esta menina

quer a flor do maracujá.



Na, na.

E ela a quer apanhar sozinha !

E chora que chora a menina

pela flor do maracujá.

Na na.




Cecília Meireles


.
Rômulo Rema
Rômulo rema no rio.

A romã dorme no ramo,
a romã rubra. (E o céu.)

O remo abre o rio.
O rio murmura.

A româ rubra dorme
cheia de rubis. ( E o céu.)

Rômulo rema no rio.

Abre-se a romã.
Abre-se a manhã.

Rolam rubis rubros do céu.

No rio.
Rômulo rema
A BAILARINA
Cecília Meireles
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.
Não conhece nem mi nem fá
mas inclina o corpo para cá e para lá.
Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os ohos e sorri.
Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.

Um comentário:

  1. Fiquei super feliz com os poemas.Estou montando um projeto de poesias de Cecília para alunos do 2° ano. Aqui encontrei muitos outros poemas q não conhecia.
    Valeu!

    ResponderExcluir

Obrigada por me visitar e mais ainda por deixar um recadinho!!! Que o Papai do Céu te abençoe!!!